terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Mussolini e Papa Pio XI: Contra judeus e comunistas


Achille Ratti – o futuro Papa Pio XI – era apenas um bibliotecário pontifício em 1918. Ele havia sido professor de teologia do Seminário de Milão. Seu talento intelectual o elevou a condição de bibliotecário do Papa Bento XV. Mas não foi como tal que ele viria se tornar papável. Em 1918, em meio a primeira guerra, Bento XV o nomeou como seu legado na Polônia. A missão era conhecer o estado em que encontrava o país e a Igreja Católica em terras polacas.

A Polônia preparava seu renascimento depois de um século de controle russo ou alemão e austríaco. As fronteiras começavam a ser delineadas. A missão de Ratti era, inclusive, ajudar a elite católica do país a reerguer a Polônia em bases cristãs. Viajando pelo país o que Ratti mais ouviu foi a preocupação dos sacerdotes com as conjuras de certos grupos judaicos contra a idéia de uma Polônia católica. Na Polônia da época, dez por cento da população era de judeus. Em Milão Ratti havia tido relações amistosas com os judeus da cidade, dado que eram bastante assimilados. Na Polônia a assimilação quase inexistia. E Roma não tinha boas impressões disso. Em 1555 o papa Paulo IV, através da Bula “Cum nimis absurdum”, ordenava que os judeus em terras da Igreja, vivessem nos guetos; o contato de judeus com católicos devia ser limitado ao máximo para evitar contaminações. Em 1870, com a tomada de Roma pelos exércitos de Vítor Emanuel, rei do Piemonte que liderou a unificação da Itália, o Papa perdeu seus estados pontificais. A unificação da Itália se fez sob a liderança de chefes maçônicos e era vista pela Maçonaria como uma etapa fundamental para a dissolução do poder da Igreja e a consequente laicização dos povos. Uma das primeiras medidas do novo rei da Itália foi libertar os judeus. Isso levou a Civiltà Cattolica, revista jesuítica que funcionava como órgão filosófico/teológico do papado, no combate ao iluminismo e na formação da opinião pública dos católicos, destinando-se, principalmente, à elite intelectual do clero e dos fiéis, fornecendo a visão do Papa sobre diversos assuntos, a renovar os ataques aos talmudismo judaico, desde o fim do século 19.

Neste aspecto advertia a revista que:

“judeus...conseguiram por as mãos em...toda a riqueza pública...assumiram o controle do dinheiro e da própria lei nos países onde tem permissão de ocupar cargos públicos”.

A Civiltà insistia, na época, que os judeus deviam ser separados dos cristãos como insistira a Igreja fazia milênios e que, se isso não ocorresse, a população cristã seria reduzida a “escravidão”:

“como estão errados aqueles que pensam ser o judaísmo apenas um religião...e não uma raça, um povo, uma nação” In: “La rivoluzione mondiale e gli ebrei”, CC 1922 IV, pp. 111-121; “Il socialismo judeo-massonico tiranneggia L'Austria”, CC 1922 IV, pp. 369-371.

A Civiltà considerava que os judeus jamais poderiam ser leais ao país que os recebia pois tinham um projeto de poder universal, planejando se valer dos direitos iguais para tomar o controle político do mundo ocidental. Nos idos de 1917 a Civiltà alimentou a polêmica responsabilizando os judeus pela revolução comunista na Rússia, fazendo tocar a trombeta de uma vasta conjura global pela tomada de poder pelos judeus.

Ratti, ao escrever seus relatórios, mostrava como a elite católica da Polônia se achava aterrorizada pelo perigo judaico. Os judeus eram acusados de terem se aliado aos alemães durante a guerra e de atuar como agiotas impiedosos nos vilarejos que ficaram empobrecidos durante o grande conflito mundial. Muitos partidos se agitavam, em 1918, para ocupar o poder no país recém independente. Entre estes os anarco-socialistas e os bolcheviques. Os quadros anarquistas e bolcheviques na Polônia eram formados, majoritariamente, por chefes judeus. Ratti relata em seus escritos dirigidos ao Papa Bento XV nos seguintes termos:

“Embora os polacos sejam bons católicos temo que eles possam cair nas garras da más influências que lhes preparam armadilhas...uma das piores e mais fortes influências sentidas aqui, talvez a mais forte e pior de todas é dos judeus” In: Carta de Achille Ratti para Pietro Gasparri, 9 de janeiro de 1919, citado em Wilk, 1997.

Em 1919 o Papado reconheceu o novo estado polaco e Ratti virou seu Núncio Papal. No verão o Exército Vermelho chegou perto de Varsóvia. A contra-ofensiva polonesa afastou a ameaça. Ratti ficou, desde então, convicto de que as democracias ocidentais eram frágeis demais para parar o avanço comunista.

Ratti, ao voltar da Polônia, é nomeado Arcebispo de Milão. Alguns anos depois viraria Papa. O contexto de sua eleição era o de uma Itália em cacos: a Monarquia Parlamentar não conseguia por ordem num país marcado por contingentes de ex-soldados que voltavam aleijados da primeira guerra ou que se encontravam desempregados gerando uma massa inquieta e violenta a enxamear as cidades; Roma recebia cada vez mais camponeses pobres vindos do sul em busca de trabalho nas fábricas e na construção civil; a crise social e econômica fazia crescer o movimento socialista liderado pelo partido comunista italiano. Como oposição a isso havia a velha direita conservadora italiana incapaz de fazer frente ao vagalhão socialista e o Partido Popular, um partido católico liderado pelo padre Luigi Sturzo, que fora criado sob os auspícios de Bento XV, a fim de envidar esforços de atuação dos fiéis no campo parlamentar – Bento XV era otimista quanto as possibilidades de ação católica no plano parlamentar/democrático indo na linha do Ralliement de Leão XIII que autorizava os católicos franceses a se aproximar e dialogar com a terceira república francesa de cunho maçônico e laico.

E, como nova força política havia o Fascismo de Benito Mussolini. O Fascismo se organizava em torno da idéia de renascimento da grandeza italiana; Mussolini, que se tornara seu líder, havia passado pelas fileiras do socialismo; mas, no decurso da primeira guerra, em razão do não apoio dos socialistas ao esforço bélico italiano, Mussolini muda de lado considerando que os interesses nacionais da Itália tinham que ficar acima da ideologia partidária o que o faz assumir uma terceira posição, de cunho nacional; ele se torna o grande veiculador e líder do movimento fascista e seu jornal “Il Popolo d'Itália”, vira o principal órgão de propaganda do mesmo. Ao mesmo tempo que a crise política/social/econômica aumentava no país mais ficava clara a incapacidade do sistema parlamentar-monárquico de lidar com ela; o caos alimentava expectativas de melhoramento social o que fazia os votos do socialismo crescerem dia a dia. Os fascistas enfrentavam os socialistas com brutalidade: atacavam prefeituras, paralisam greves e piquetes, faziam políticos de esquerda beberem óleo de rícino a força, a fim de humilhá-los publicamente – o óleo causava diarréia imediata. Os “fasci di combattimento” pareciam ser a única força capaz de estabelecer uma ordem na Itália. Isso fez toda a diferença pois, quando Pio XI ascendeu ao trono papal, a monarquia de Vítor Emanuel III mostrava-se incapaz de deter o avanço comunista. Já em 1920, aquando de uma greve na agricultura do Vale do rio Pó, dirigida por socialistas, esta incapacidade ficara notória: o governo nada fez para contê-la e o clima de rivalidade entre as classes chegou a níveis perigosos. Os fazendeiros, perante a inércia da monarquia, procuraram os fasci que, com bandos armados, saquearam sedes socialistas, invadiram a prefeitura de Bolonha, onde foram mortas dez pessoas durante os ataques, além de terem atacado sindicatos anarquistas.

Sem um governo de fato – dado o caos na Itália - o rei convocou novas eleições para maio de 1921. A campanha eleitoral transformou o país numa praça de guerra entre socialistas e fascistas. O resultado eleitoral trouxe 138 cadeiras no parlamento para os socialistas contra 35 para os fascistas. O partido popular católico obteve 107 cadeiras e os conservadores 240 cadeiras. Foi aí que os rumos tomaram seu curso decisivo: o ministro conservador Giolitti via os camisas negras fascistas como o porrete necessário para manter a ordem no país; isso trouxe a coalização entre os conservadores e os fasci, o que derrotou a bancada socialista e a do partido católico. Nesse ínterim Mussolini fez seu discurso no novo parlamento, asseverando que a missão do fascismo era “restaurar a sociedade cristã, construindo um estado católico para uma nação católica”. A ala anticlerical dos fasci – liderada por Farinacci - foi posta de lado. Mussolini compreendia que era preciso convencer o Papa que seu partido era de mais serventia à Igreja que o partido popular de Sturzo.

Nos meses seguintes os bandos socialistas continuaram a forçar a luta de classes no país convocando uma greve nacional. Os squadristi fascistas – gupos armados – atacaram os socialistas em Milão. A Itália estava a beira de uma revolução como a ocorrida anos antes na Rússia.

Pio XI subira ao trono em 1921 e, em outubro de 1922 manda o seu secretário de Estado, Cardeal Gasparri, distribuir uma circular a todos os bispos da Itália para que retirassem seu apoio ao partido popular católico. Com isso ele preparava o caminho para que os fasci, em 27 de outubro, através da “Marcha Sobre Roma”, pudessem chegar ao poder. Sua experiência na Polônia convencera-o de que o parlamentarismo não teria os meios de impedir uma revolução comunista na Itália. Em 28 de outubro o rei, temoroso de que enfrentar os fasci traria demasiado derramamento de sangue, resolveu entregar o poder a Mussolini depois dos squadristi terem ocupado centros estratégicos do norte e centro da Itália. Num dos primeiros gestos como primeiro ministro Mussolini levou seu gabinete a uma missa perante o monumento ao Soldado Desconhecido, no Vitoriano em Roma. Foi então que ele assegurou ao Papa agir agressivamente para restaurar os direitos da Igreja. Gasparri disse, na ocasião, ao embaixador da Bélgica que “Mussolini nos mostrou que era um bom católico”. A decisão do Papa de apoiar Mussolini pegou muitos de surpresa como o padre Enrico Rosa, editor chefe da Civiltà Cattolica. Ele havia preparado uma matéria apresentando os fascistas como “homens sinistros e anticristãos”mas, antes que ela saísse, Pio XI advertiu, ao superior geral dos Jesuítas, que proibisse Rosa de publicá-la.

Pio XI agradou-se de Mussolini pois, no fundo, tinha valores em comum com ele: ambos tinham uma descrença em face a democracia parlamentar, não confiavam na liberdade de expressão ou de associação e viam o comunismo como ameaça além de compreenderem que o sistema parlamentar estava falido. Ratti mandou que Rosa descartasse o artigo crítico sobre Mussolini e publicasse outro com estes dizeres:

“Quando uma forma de governo é constituída de forma legítima...muito embora tenha sido a princípio, defeituosa, ou mesmo questionável em vários sentidos...é nosso dever apoiá-la pois a ordem política e o bem comum a isso exigem. Não é permissível, seja a indivíduos ou a partidos, , tramar para derrotá-la, suplantá-la ou trocá-la recorrendo a meios injustos.” In: E. Rosa; Crisi di stato e crisi di autorità”. CC, 1922, IV, p. 204.


A opção da Igreja em aliar-se ao fascismo para combater o comunismo, ao invés de endossar o modelo parlamentar democrático-liberal francoamericano, se deu por razões claras: afinidade doutrinária. O liberalismo com seu teor horizontal não correspondia a noção de ordem - que tem cunho vertical e hierárquico - da qual a Igreja necessitava para dar cabo do perigo marxista. Isto deve ser vir de lição aos católicos de tendência liberalconservadora que acreditam numa coalização com pressupostos da democracia americana para solucionar a grave crise civilizacional que enfrentamos. Pio XI fornece, neste caso, uma lição importante.  


Siglas

CC: Revista “Civiltà Cattolica”


Bibliografia

Kertzer, David I. O Papa e Mussolini: a conexão secreta entre Pio XI e a ascensão do fascismo na Europa. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2017.

Milza, Pierre. Mussolini. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.

Rogari, Sandro. La Santa Sede e fascismo dall'Aventino ai Patti lateranensi. Bolonha: Forni, 1977.

Wilk, Stanislaus. Actae Nuntiaturae Polonae. Tomus 57, vols 1-6. Roma: Institutum Historicum Polonicum. 1995-2000.

Matéria retirada do Blog Catolicidade 

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